Trabalho e Renda

13/08/2013 08:02

A renda dos 100 mais ricos poderia acabar com a pobreza no mundo

  A renda dos 100 mais ricos poderia acabar com a pobreza no mundo 22 Janeiro 2013 José Antonio Lima - Carta Capital   A renda líquida obtida em 2012 pelas 100 pessoas mais ricas do mundo, 240 bilhões de dólares, poderia acabar quatro vezes com a extrema pobreza no planeta. A...

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Babás e empregadas domésticas: relações que perpetuam racismo e machismo

15/01/2013 | Texto de Renata Corrêa e Srta. Bia.

 

Desde o fim de semana roda a internet o texto: Viagem levando babás. Se não conseguir lê-lo no link original, há uma cópia aqui. É o relato de uma visão casa grande/senzala que a sociedade brasileira carrega desde os tempos da escravidão. A babá não é uma trabalhadora com todos os direitos respeitados, é, antes de tudo, uma serviçal, que numa viagem familiar deve estar inteiramente disponível e ainda agradecer por ter tido a oportunidade de viajar. Alguns trechos são bem ilustrativos:

Na minha opinião, em algumas ocasiões as babás são extremamente úteis, em outras são dispensáveis e em outras ainda são item de “terceira” necessidade. Enfim, acho que se bem ensinadas, elas podem quebrar um galho danado e nem sempre vão representar um novo integrante à família…

…na ida no avião perguntou se podia aceitar o lanche, se tinha banheiro, se ela podia escolher aonde sentar, enfim, prefiro assim do que as folgadas que vão logo pedindo refrigerante ou sei lá o que e ainda adoram falar suas experiências pessoais de viagens ao exterior.

…Em outras oportunidades em que vc quer que ela coma antes porque o restaurante é caro ou porque vão outros casais vc pode dizer problemas, tipo assim, “hj vamos a um restaurante com a comidas muito diferentes que vai demorar ou muito caro e etc, então vamos passar pra vc comer em algum lugar, vc prefere pizza ou Mc Donals”, porque, lembre-se ela está trabalhando.

…Nesta segunda viagem ela ficou encantada, me mandou mensagem quando chegamos agradecendo e eu acho bonitinho a pessoa dar valor pq barato não sai uma viagem dessas pra gente. Então , mais uma vez fica a dica: deixe tudo claro, pra não se arrepender depois…

A mulher que escreveu esse post não é a única que pensa dessa maneira, portanto, não adianta culpar e crucificar apenas essa pessoa. As relações com trabalhadores domésticos no Brasil tem estreita relação com nosso passado escravocrata. Assim como ela, há muitos homens e mulheres brasileiros que encaram os trabalhadores domésticos como pessoas que devem ter gratidão por estarem empregadas e por terem a chance de conviver com uma família de classe social alta. Isso, quando não os tratam como bens da família, sem permitir qualquer tipo de vida particular.

 

Trabalho doméstico e as mulheres negras

Segundo dados de 2005 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad/IBGE), existem no Brasil cerca de 6,6 milhões de pessoas no trabalho doméstico, das quais 93,4% são mulheres. Destas, 55% são negras. De todas as mulheres que trabalham no País, 17% são domésticas. O trabalho doméstico como atividade remunerada é muito desvalorizado socialmente, concentrando uma série de aspectos excludentes, como baixa remuneração, jornada de trabalho longa e ilegalidade na contratação. Influencia diretamente nas discriminações de gênero e raça, especialmente ao eleger um papel para a mulher negra na sociedade.

Infelizmente, o 13 de maio não foi capaz de sepultar o passado escravista do nosso país. As reminiscências desse período estão presentes por todos os lados. Na violência policial contra a população negra, na morosidade em relação a implementação do sistema de cotas no ensino superior, na precariedade do acesso aos serviços básicos garantidos pelo Governo. O trabalho doméstico também é parte desse processo histórico de invisibilidade e desrespeito às afro-brasileiras. Referência: Carta aberta ao Grupo Antiterrorismo de babás, por Luana Tolentino.

A desigualdade social brasileira tem bases nessas relações. E, principalmente, na ideia de que é um absurdo que empregadas domésticas, babás, porteiros, jardineiros ou serventes queiram salários mais altos e os mesmos direitos trabalhistas que advogados, engenheiros ou servidores públicos. Porque é um absurdo que as pessoas que tenham uma babá nesse país tenham que cortar gastos, como uma viagem ao exterior, para pagar hora extra, férias e outros direitos.

[+] Da relação direta entre ter de limpar seu banheiro você mesmo e poder abrir sem medo um Mac Book no ônibus.

[+] Senzalas & campos de concentração.

 

Maria José dos Anjos Alves, de 18 anos, afirma ter trabalhado durante quase dois anos em uma residência da cidade de Riachuelo, como empregada doméstica, limpando a casa, cuidando dos filhos da patroa, de 6h às 18h, de domingo a domingo, sem férias, sem feriados e recebendo apenas R$ 200 por mês. Hoje fora do emprego, ela pretende ingressar na Justiça cobrando seus direitos. E, se depender das novas regras que o país pode aprovar em relação aos empregados domésticos, esses direitos serão cada vez mais amplos. Foto de Adriano Abreu/Tribuna do Norte.

 

Procuram-se domésticas ou serviçais?

Essa semana também saiu no Estadão uma matéria que mostra o quanto é catastrófico que o salário de uma doméstica esteja na faixa de mil reais: Procuram-se domésticas. Paga-se bem.

Casada e mãe de duas crianças pequenas, uma de oito e outra de seis anos, a advogada tem uma jornada de trabalho longa: fica cerca de 12 horas fora de casa diariamente e precisa de duas empregadas domésticas, uma que dorme no emprego e outra que vai e volta, para administrar o lar. O problema é que Andrea ficou sem a empregada que vai e volta. Daí começou a peregrinação da advogada pelas agências de empregos domésticos em busca de uma nova profissional.

O problema nesse caso é apenas a falta de empregada? Por que essa mulher casada não tem ninguém para dividir tarefas? Por que mulheres e homens trabalham 12 horas por dia e achamos normal? Por que é preciso que uma das empregadas durma no emprego? Ela não tem casa? Não tem sua própria família? Você, que está lendo esse texto, dorme no emprego? Como fazem as pessoas que trabalham 12 horas por dia, como muitas trabalhadoras domésticas, mas não tem dinheiro para contratar uma empregada doméstica?

 

O que as pessoas irão fazer, quando não houverem mais empregadas domésticas ou babás para contratar? Vão importar babás paraguaias ou bolivianas? Por que não questionamos os horários de trabalho de todas as pessoas, para podermos ter tempo para cuidar das crianças? Por que não lutamos por escolas em período integral e creches públicas? Por que não propor lavanderias populares? Espaços de lazer? Por que não pensar em elementos que poderiam nos ajudar na criação das crianças e nas tarefas domésticas, que demandam sim muito tempo, mas são coisas com as quais temos que lidar?

Em dezembro de 2012, foi aprovada pela Câmara dos Deputados, a PEC que amplia direitos das empregadas domésticas. Ao invés de comemorarmos essa decisão como mais um avanço nos direitos trabalhistas, a maioria das matérias reclama do peso que isso terá nas contas do empregador. Essas pessoas provavelmente querem voltar ao tempo em que o salário mínimo não aumentava anualmente. Porém, qual o impacto que a falta de direitos trabalhistas teve na vida de milhares de pessoas durante anos? Deve haver até mesmo um impacto na economia dessa parcela da população, mas não interessa pesquisar isso, não é mesmo?

Como não é possível contar com o bom senso para regular relações de trabalho, principalmente dos trabalhadores domésticos, que não raro são submetidos a todo tipo de opressão travestida de “afeto” e de que eles “são da família”, as leis devem ser cumpridas.

Trabalhadores que viajam a serviço recebem hora extra, diária para alimentação, transporte e não estão à serviço 24 horas por dia. Por que um trabalhador doméstico não estaria submetido as mesmas regras?

 

Maternidade e Gênero

Outra questão que chama a atenção é a agressividade mal dirigida para autora do post, citado no início desse texto. Sim, o relato dela é um retrato didático da desigualdade e do sistema de castas e privilégios que assola o Brasil e as relações de trabalho, mas muitos comentários foram a respeito das escolhas pessoais dela a respeito da maternidade. Criticam o fato dela “ler uma revista” enquanto a babá faz castelinhos de areia. Ser mãe não te obriga compulsoriamente a gostar de determinadas atividades. Alguém questionou por que o marido não faz castelinhos ou senta a bunda na areia para brincar com a criança? Ou o quanto ele se dedica a dar atenção aos filhos? Não questionamos, porque está subentendido que isso é papel apenas da mãe.

A questão básica é que quando falamos do trabalho doméstico é como se não falássemos de trabalho ou de pessoas, falamos de objetos. Eu não questiono o fato de não dar para ser super-mãe, ora, as babás de nossos filhos sabem disso na carne, pois muitas vezes deixam os filhos delas com a vizinha, mãe, avó para poderem cuidar dos nossos e alguém parou pra pensar nisso ao fazer propostas que no final das contas reverberam o racismo incrustrado no Brasil? Referência: Quando foi que as babás viraram coisas? Durante a escravidão, por Luka Franca.

No fundo, a polêmica mostra como ainda estamos presos a uma visão de que o trabalho doméstico é um trabalho “menor”, seja ele exercido pela mãe ou por uma empregada contratada. Questiona-se não só o valor pago para babás e diaristas, um trabalho menosprezado, não intelectual e majoritariamente feminino, como também questiona-se a maneira que cada mulher exerce a sua maternidade. Como se “cuidar das crianças” fosse apenas sua responsabilidade e o companheiro não tivesse nenhuma participação nessa relação. Perdem patroas e empregadas. Perdem as mulheres como um todo, quando não entendemos que o exercício das funções internas e domésticas são responsabilidade de todos os membros da família, independente do gênero.

 

Desigualdade perpetuada

Para que a desigualdade social seja constantemente perpetuada é preciso que ricos e pobres saibam quais são seus lugares e seus espaços de poder. Da mesma maneira, mulheres e homens tem papéis sociais pré-estabelecidos. Qualquer pessoa que fuja ou não se encaixe nesse jogo pré-estabelecido é rejeitada socialmente. Quando não questionamos esse sistema perverso que traça linhas invisíveis em nossas relações sociais, perpetuamos o machismo e o racismo na sociedade, dentre outros preconceitos.

Dessa maneira, arquitetos e engenheiros continuam projetando apartamentos com dependência de empregada, já estamos exportando essa ideia para Miami. O cabelo afro não é visto como sinônimo de elegância e beleza. As mulheres são as únicas responsáveis pelos cuidados com as crianças e pelas tarefas domésticas. Mulheres negras são preteridas em cargos que exigem boa aparência. O período escravocrata foi há muito tempo e nossa realidade não tem nenhuma ligação com nossa história. Afinal, a carne mais barata do mercado sempre foi a carne negra.

O fato de o mercado estar hoje mais favorável ao trabalhador fomenta comportamento inusitado. Andrea conta que, no primeiro mês de trabalho, a nova empregada já pleiteou o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A contribuição ao FGTS para empregado doméstico ainda não é obrigatória, mas em breve deve virar lei. “Isso é reflexo de uma economia aquecida. Hoje as empregadas domésticas estão por cima da carne seca”, diz Andrea. Referência: Procuram-se domésticas. Paga-se bem.

[+] Brasil é país com maior número de domésticas no mundo.

[+] Mundo tem mais de 52 milhões de trabalhadores domésticos, 83% são mulheres.


 

Diálogos sobre o Brasil sem miséria: e nós, as mulheres?

Veronica Ferreira - SOS Corpo

 

Na última quarta, 8 de agosto, aconteceu um diálogo entre governo e sociedade civil para apresentação dos resultados do primeiro ano do Plano Brasil sem Miséria – o plano do governo para superar a extrema pobreza. Lá estive representando a Articulação de Mulheres Brasileiras.

O diálogo foi convocado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e pela Secretaria Geral da Presidência, mas contou com a presença de vários ministros (como o da Previdência Social, da Educação, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e representantes de vários outros, participaram em outros momentos) – um peso político grande foi dado pelo governo.

A composição da sociedade civil era bem plural e representando interesses muito diferenciados: movimentos sociais em sua diversidade (mulheres, rurais e camponeses, LGBT, catadoras/es, quilombolas, indígenas etc.), ONGs, entidades religiosas e também o empresariado. Do movimento de mulheres estávamos nós, AMB, o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) e a Marcha Mundial de Mulheres.

O Plano Brasil sem Miséria é apresentado pelo governo como uma grande plataforma para superar a extrema pobreza – 16 milhões de pessoas com renda mensal inferior a R$ 70,00. O plano tem três grandes eixos: transferência de renda (por meio do Bolsa Família, ampliado, e da ampliação da previdência social para alguns setores, e do Brasil Carinhoso – adicional para famílias com crianças de 0 a 6 anos), inclusão produtiva urbana e rural (que inclui assistência técnica rural, o programa de compra de alimentos da agricultura familiar – o PAA, qualificação profissional e apoio a empreendedor individual) e o acesso a serviços públicos, principalmente os de saúde, educação e assistência social.

A grande estratégia é a "busca ativa", que significa o Estado fazendo a busca das pessoas ainda não incluídas nos programas do governo. O plano se apoia no fortalecimento do pacto federativo (adesão dos estados e apoio aos municípios) e na integração de políticas públicas nos territórios.

A grande prioridade são as crianças e o grande destaque, o Brasil Carinhoso – adicional do benefício para famílias com crianças de 0 a 6 anos, acesso a medicamentos e ampliação imediata das vagas nas creches pelos municípios. Há um avanço de concepção ao se incluir a ampliação das creches – e o MDS fala de direito da criança e condição para as mães trabalharem.

O que preocupa: como há uma demora de no mínimo dois anos para que os governos municipais construam creches públicas segundo as exigências do governo federal, o governo abriu a possibilidade com o Brasil Carinhoso de buscar estas vagas por meio de convênios com entidades privadas o que coloca em risco a qualidade do serviço...

Outra grande ênfase foi dada à busca ativa, às ações de inclusão produtiva e acesso aos serviços. As creches foram ressaltadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e o Ministério da Educação (MEC) como um serviço prioritário. Um dado interessante é o do aumento das escolas em tempo integral que passaram de 15 para 32 mil. A gente não sabe o que isso representa em termos de cobertura, mas de todo modo me pareceu importante isto estar integrado ao plano.

E nós, mulheres? A minha impressão geral é a de que a pobreza das mulheres, e as situações que a geram e que ela gera, não são vistas no plano. O debate sobre fortalecimento da autonomia das mulheres não está dado. Nem se reconhece que são as mulheres que sustentam muitos dos resultados apresentados, por meio do seu trabalho reprodutivo, principalmente nos contextos de extrema pobreza onde não existem serviços públicos, como o próprio plano reconhece.

Mas existem algumas iniciativas afirmativas para as mulheres dentro do plano, principalmente dos programas ou ações desenvolvidas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério da Previdência Social (MPS) e o da Educação (MEC), com apoio da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM): na qualificação para inclusão produtiva, há uma iniciativa específica para as mulheres (o Mulheres Mil), a definição de que um percentual das compras do PAA deve vir da produção das mulheres, de que as equipes de assistência técnica contratadas devem ter uma cota de mulheres e, na transferência de renda, a ampliação da cobertura previdenciária com a aposentadoria das donas de casa e pelo MEI – Microempreendedor individual.

Mas essas ações têm muitos limites, atingem um número muito reduzido de pessoas. O mais importante é que, em termos de concepção, reconhecem as mulheres em sua condição de trabalhadoras e não apenas como mães. Ao mesmo tempo, está lá o destaque para os benefícios para gestantes e nutrizes. Quer dizer: a gente não é só mãe, mas é principalmente... O fato é que nas áreas onde há uma atuação mais forte do movimento de mulheres, as iniciativas avançam; no mais, a concepção materno-infantil predomina.

Participei do grupo que discutiu a busca ativa e transferência de renda. No grupo, o Ministério da Previdência apresentou o dado de que a desproteção social é maior entre as mulheres (o que já sabemos) e que entre aquelas de extrema pobreza a situação é ainda pior. Só 1% das trabalhadoras domésticas em extrema pobreza tem cobertura previdenciária! Nós da AMB apontamos no grupo essa questão como um desafio: as pessoas em situação de extrema pobreza trabalham, mas o trabalho não lhes dá nem renda pra sobreviver, como contribuir para a previdência?

Ressaltamos que avançamos com o direito de aposentadoria para as donas de casa de baixa renda, mas a exigência de 15 anos de contribuição, na prática, inviabiliza que a maior parte desse grupo, que já tem 60 ou mais de 50 anos, se beneficie. Apoiamos a demanda das donas de casa de uma escala de contribuição que é menor de acordo com a idade.

Defendemos a universalização do direito à previdência para quem não pode contribuir como forma de transferir renda e, mais que isso, redistribuir riqueza. Para nós, pra enfrentar a desigualdade é preciso universalizar direitos e na concentração da riqueza. Nossa demanda foi para o documento final. Com as condições políticas dadas no grupo, avaliei que deveríamos entrar no debate por aí, pela situação desigual das mulheres e pela questão redistributiva.

Me chamou muita atenção no evento, e neste grupo em particular, o peso das entidades religiosas (espírita, evangélica, católica etc). Todas se inscreveram para se colocar à disposição para fazer a busca ativa das famílias. O que significa um risco para nós, mulheres, como também para os povos de terreiro, famílias homossexuais etc.

Há uma grande disputa no campo da assistência entre a consolidação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), com uma rede pública de prestação de serviços (os CRAS - Centros de Referência da Assistência Social e os CREAS - Centro de Referência de Assistência Social) e as entidades religiosas que não querem perder seu poder, econômico e político, na assistência. A Secretária de Assistência Social, Valéria Gonelli, se posicionou muito firme dizendo que o objetivo do governo é consolidar uma rede socio-assistencial estatal e laica. Mas pra mim ficou muito claro que eles vão disputar, estão disputando, um lugar ao sol no Brasil sem Miséria.

No geral, o plano e os resultados foram muito apoiados. O campo governista era muito forte, mas mesmo entre quem fez crítica se reconheceu avanços importantes (principalmente o esforço de integrar políticas nos territórios). É verdade que nada igual foi feito até hoje e dessa forma frente a extrema pobreza. Mas os limites são profundos se a gente analisa o plano frente ao conjunto da ação do estado e ao modelo econômico, principalmente.

As críticas feitas vieram do nosso campo, principalmente dos movimentos e ONGs do campo, dos povos quilombolas e indígenas, que tinham também uma representação forte. Foram feitas críticas contundentes, que partilhamos, do modelo de desenvolvimento que produz mais miséria; da ausência total da reforma agrária no plano e do retrocesso nos assentamentos; os povos indígenas denunciaram a desterritorialização pelas grandes obras. Uma outra crítica importante é que o plano reforça um tipo de relação do governo com os indivíduos ou famílias e há quase nenhuma relação com os coletivos (organizações, movimentos). E também da insuficiência no apoio e investimento na economia solidária e em estratégias para avançar em outra economia.

De maneira geral se avaliou que o espaço de participação da sociedade sobre o plano – um ano, para balanço, não é suficiente. A proposta do governo é ampliar para diálogos regionais, mas ainda assim há uma avaliação de que a proposta de participação é muito limitada. O plano vai ser acompanhado também nos conselhos (saúde, segurança alimentar, direitos da mulher etc) e em todas as conferências deste ano pra frente.

Acho que foi possível demarcar lá nossa posição como Articulação de Mulheres Brasileiras, que reafirmamos no Encontro Nacional da AMB (ENAMB, 2011): para enfrentar a pobreza, há que mexer na riqueza - nos seus produtos e no modo de produzi-la; que defendemos políticas de redistribuição da riqueza, como a universalização da previdência; e que nós mulheres queremos políticas que apoiem nossa autonomia.

E nunca é demais repetir: não se pode enfrentar a pobreza, sem redistribuir a riqueza. Repetimos aqui a pergunta feita no Encontro Nacional: que riqueza será permitida neste país?

 


 

E a história da trabalhadora brasileira?

01/05/2013 | Texto de Srta. Bia.

 

O Dia do Trabalhador, (consequentemente da trabalhadora?), ainda é considerado um momento de protesto e crítica às estruturas sócio-econômicas do país. Os trabalhadores tem, historicamente, tradição de movimento organizados. Inclusive as trabalhadoras.

Já contamos que o 8 de Março tem estreita ligação com o movimento de operárias russas:

Se as operárias russas do início do século XX recebessem bombons e flores em comemoração ao Dia da Mulher, talvez se sentissem ofendidas. Afinal, quando os protestos do dia 8 de março foram deflagrados, o que elas queriam mesmo eram melhores condições de trabalho. Não aguentavam mais as jornadas de 14 horas e os salários até três vezes menores que os dos homens. Outros marços virão por Maíra Kubik.

O feminismo tem grande parte de sua história atrelada aos movimentos de operárias desse período pós revolução industrial. Porque durante muito tempo, não só os homens, mas também mulheres e crianças trabalharam em fábricas. A ideia de que o feminismo retirou as mulheres do lar para levá-las para o mercado de trabalho, aconteceu muito depois disso.

Os diversos movimentos de trabalhadoras tem fundamental importância na criação e desenvolvimento do feminismo, até porque no âmbito do trabalho também estão refletidas as desigualdades de gênero. Ao entrar massivamente no mercado assalariado, as mulheres acabam indo além das fronteiras das esferas de suas vidas: privada, assalariada e política.

Apesar do elevado número de trabalhadoras presentes nos primeiros estabelecimentos fabris brasileiros, não se deve supor que elas foram progressivamente substituindo os homens e conquistando o mercado de trabalho fabril. Ao contrário, as mulheres vão sendo progressivamente expulsas das fábricas, na medida em que avançam a industrialização e a incorporação da força de trabalho masculina. As barreiras enfrentadas pelas mulheres para participar do mundo dos negócios eram sempre muito grandes, independentemente da classe social a que pertencessem. Da variação salarial à intimidação física, da desqualificação intelectual ao assédio sexual, elas tiveram que lutar contra inúmeros obstáculos para ingressar em um campo definido —  pelos homens — como naturalmente masculino. Referência: Trabalho feminino e sexualidade (pg. 581) por Margareth Rago (1).

O primeiro romance de Patricia Galvão, a Pagu, publicado com o pseudônimo de Mara Lobo, chama-se ‘Parque Industrial‘ (1933) e relata a difícil vida das operárias de seu tempo, com longas jornadas de trabalho, baixos salários, maus tratos de patrões e, sobretudo, o contínuo assédio sexual. Infelizmente, a história oficial silencia as mulheres e o que temos na maior parte das vezes é a construção masculina da identidade das mulheres trabalhadoras do que com sua própria percepção de sua condição social e individual. Afinal, o que sabemos sobre as trabalhadoras dos primórdios da industrialização brasileira?  O que sabemos sobre as mulheres que lavaram roupa para as famílias ricas do Brasil no início do século XX? O que sabemos sobre as negras e indígenas que se insurgiram contra a escravidão?

Essas são algumas questões que se refletem na divisão sexual do trabalho até hoje, assim como nas desigualdades salariais por sexo. A discriminação salarial tem um forte componente histórico no papel social designado a mulher. É frequente a associação entre a mulher no trabalho e sua moralidade social, a ameaça à sua honra, a ameaça que isso representa a instituição familiar. As trabalhadoras pobres sempre foram consideradas profundamente ignorantes, irresponsáveis e incapazes. Será que não vemos ecos dessas classificações atualmente? De movimentos que pedem para as mulheres abandonarem o trabalho em prol da educação das crianças até a discussão da PEC das domésticas?

Mulheres trabalhando em máquinas de costura nos anos 70. Foto de Kheel Center, Cornell University no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

Já falamos sobre a importância de pensar outras formas de conceituar e definir trabalho, além de ressignificar o trabalho doméstico e como isso tem grande impacto na vida das mulheres:

Mas há uma coisa que poderia melhorar e muito a vida da maioria de mulheres e mães como um todo: podemos lutar pela redução da jornada de trabalho. Que tal se todo mundo pudesse trabalhar no máximo cinco ou seis horas por dia, 30, 36 horas por semana? Algumas mulheres, aliás, já fazem isso — sobretudo nas profissões em que a regulamentação estabelece esse tipo de limite. Mas a ideia é: por que não reduzir para todos os trabalhadores, de todos as categorias possíveis? A maternidade e a luta pela redução de jornada para todos por Amanda Vieira.

Sabemos que, quando a mulher de classe média entrou para valer no mundo do trabalho, as responsabilidades com a casa e os filhos passaram de seus ombros para os de outras mulheres: empregadas e babás, avós, vizinhas, etc. Agora, no momento em que muitas famílias deverão adaptar sua rotina à nova e mais justa realidade da jornada de trabalho de 8 horas da empregada doméstica, ao contrário do que tem sido até agora (em que a empregada se adaptava aos horários dos patrões), é necessário que esse peso seja distribuído entre todos os membros da unidade familiar e idealmente com a comunidade. Trabalho doméstico: tempo de mudanças necessárias por Cecilia Santos.

Portanto, é preciso repensar sobre o trabalho, como ele está organizado, quem tem se beneficiado e como nossa sociedade está fundada sobre ele. E, a participação das mulheres é fundamental nesse processo. Destaco ainda, que atualmente, vemos com força o movimento de trabalhadoras rurais, que aliam as reflexões sobre a vida doméstica às demandas dos movimentos populares. Assim como outros movimentos de trabalhadoras, mães, educadoras, enfermeiras, médicas, assistentes sociais, entre outras, denunciam a ausência ou a precaridade dos serviços coletivos do Estado. Além de ampliar o debate da cidadania.

 

(1) Trabalho feminino e sexualidade, artigo de Margareth Rago publicado no livro História das Mulheres no Brasil, organização de Mary Del Priore.

 


 

Maior igualdade de gênero na política é ‘boa notícia’ para o mundo do trabalho, afirma OIT

30 Julho 2012 Escrito por Administrator

 

OIT

Os progressos alcançados recentemente em diversos países em favor da promoção de um maior número de mulheres em altos cargos políticos são “uma boa notícia para o mundo do trabalho”. A afirmação é da Diretora do Departamento para a Igualdade de Gênero da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Jane Hodges.

“Mais mulheres na política significa que a igualdade de gênero está penetrando na mente dos eleitores”, declarou Hodges, ao comentar os recentes eventos que conduziram à nomeação ou eleição de mulheres para altos cargos políticos em diversos países. Estes progressos compreendem, entre outros, a vigência da paridade de gênero no governo francês e a nomeação da primeira mulher como Presidenta da Comissão da União Africana.

“Os países ocidentais não necessariamente lideram a promoção da igualdade de gênero em nível político”, acrescentou, ao destacar que Ruanda alcançou de fato a paridade mulheres-homens no Parlamento já em 2003. Na atualidade, a África conta com duas mulheres chefes de Estados, na Libéria e no Malauí.

No entanto, mesmo quando as mulheres ocupam altos cargos políticos, podem receber um tratamento injusto. Por exemplo, as mulheres geralmente devem enfrentar um juízo mais severo sobre sua atuação, inclusive em relação a detalhes sobre como se vestem.

 

Mundo do trabalho pode fazer mais

Além disso, é possível realizar maiores esforços para melhorar a igualdade de gênero, inclusive no mundo do trabalho. Jane Hodges referiu-se especificamente às principais conclusões de um estudo intitulado ‘Equilíbrio de Gênero na Conferência Internacional do Trabalho’, que acaba de ser publicado sobre a representação de mulheres e homens na Conferência Internacional do Trabalho (CIT), a reunião anual da OIT que congrega mais de 3 mil delegados de governos, trabalhadores e empregadores.

As estatísticas recolhidas entre 2006 e 2012 mostram que o número de mulheres participantes da CIT diminuiu de 28,5% em 2009 para 26,9% em 2012. O estudo também analisa os ministros de governos que falaram na sessão plenária da CIT. Mostra que 24,8% dos oradores entre os ministros eram mulheres, em comparação com 29,3% do ano anterior.

A OIT, baseando-se neste déficit de gênero que resulta problemático para todos seus constituintes, decidiu começar a identificar iniciativas de boas práticas nos governos que têm ao menos 50% de mulheres em suas delegações. Estas práticas serão compartilhadas com o objetivo de deter a tendência atual.

“A eleição ou nomeação de mulheres, seja nos negócios ou na política, geralmente recebe muita atenção dos meios de comunicação. De maneira que uma maior igualdade de gênero nestes âmbitos envia um sinal muito forte a toda a comunidade. Qualquer passo à frente nos ajudará a promover o trabalho decente e a empoderar as mulheres em todos os níveis”, concluiu Hodges.

 

 

 

 


 

'Programa não é suficiente para mudar desigualdade'

Para coordenador de pesquisa sobre ações sociais, Bolsa Família deve ser associado a outras iniciativas

13 de janeiro de 2013 | 2h 04

Roldão Arruda  - O Estado de S. Paulo

 

Financiadora de ONGs e movimentos sociais no Brasil, a organização europeia Christian Aid encomendou uma pesquisa para avaliar os resultados do crescimento econômico e dos programas sociais no Brasil. Queria saber se, diante das conquistas divulgadas pelo governo, valeria a pena continuar financiando ONGs brasileiras dedicadas a combater a miséria.

O resultado do estudo, coordenado pelo economista Alexandre de Freitas Barbosa, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), saiu no ano passado. Apontou que a pobreza caiu, mas as desigualdades entre ricos e pobres se mantêm elevadas; e que as possibilidades de mobilidade são pequenas.

A seguir, Barbosa fala do trabalho que convenceu a Christian Aid a não interromper os financiamentos.

O governo do presidente Lula é festejado pela redução da pobreza. O senhor concorda?

Não há como negar. Entre 2004 e 2009, pela primeira vez na história, o Brasil viveu um processo de crescimento econômico, com democracia e redução da desigualdade.

O senhor concorda, mas o seu estudo relativiza os avanços.

O grupo que coordenei tentou agregar mais questões ao debate. Para começar: o que é pobreza e o que é desigualdade? Os indicadores comemorados são os que apontam a redução da pobreza absoluta. E como eles funcionam? Você define um patamar, abaixo do qual todos os indivíduos são pobres. Quando um desses indivíduos avança meio centavo acima, deixa de ser pobre. No caso da desigualdade, o indicador é relativo, construído a partir da comparação entre renda do trabalho dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres, com dados da Pnad.

A desigualdade também caiu.

Sim. O Índice de Gini, uma das medidas para a abordagem das desigualdades sociais, mostra uma redução expressiva. O que estou querendo entender é como isso ocorreu e qual é a sustentabilidade do processo. Ao contrário do que se divulga, não foram os programas sociais os principais responsáveis pelas mudanças. Elas estão relacionadas em grande medida ao mercado de trabalho: além do crescimento econômico, o governo reforçou o poder de compra do salário mínimo, impactando a renda da mão de obra menos qualificada - e os beneficiários da Previdência.

Isso não foi bom?

Sim. Resta perguntar qual o padrão de emprego que essas pessoas têm, se contribuem para a Previdência Social, se têm acesso à saúde e educação de qualidade, que são indicadores de desenvolvimento no sentido mais amplo. Você pode reduzir a pobreza mantendo altos índices de desigualdade e dificuldades de acesso a políticas públicas.

Quem ganhou mais?

Os avanços mais significativos ocorreram nas regiões mais ricas, onde o peso da massa salarial é maior, e entre os segmentos mais pobres, regidos pelo salário mínimo.

Como define esses segmentos?

Trata-se da típica classe trabalhadora que teve um aumento do poder de consumo. O emprego cresceu principalmente nos segmentos de baixos salários. Em cada dez postos criados no setor formal, nove têm remuneração inferior a três salários mínimos. É isso que chamamos de a nova classe média?

Programas de transferência de renda devem continuar?

Sim. São fundamentais, mas não suficientes para promover alterações profundas na desigualdade. O governo concentra recursos neles porque é a linha da menor resistência: garante estatísticas positivas e dividendos eleitorais.

O que recomenda?

É preciso mudar o atual padrão de desenvolvimento para outro que permita acumular mais capital, gerar mais produtividade, permitir que os ganhos do trabalho avancem à frente dos ganhos do capital.

A educação não deveria ser a questão prioritária?

O investimento educacional traz vantagens se a economia gerar postos de trabalho que exijam melhor qualificação. Para absorver mais engenheiros é preciso construir mais usinas hidrelétricas, mais aviões. Os países que tiveram mudança expressiva na estrutura ocupacional relacionada à educação contaram com uma política industrial acoplada. A Coreia do Sul é o exemplo. O Bolsa Família deve ser associado a outras ações, como a formação de cooperativas, assistência técnica aos pequenos produtores, garantia de compra da produção.

João Pedro Stédile, líder do MST, é um dos apresentadores do livro com seu estudo.

Ele faz parte de umas organizações próximas à Christian Aid. Não concordo com todas as posições dele.