Abuso Sexual: Omissão devastadora

12/08/2013 16:29

Abuso Sexual: Omissão devastadora

13 Abril 2013

 
Pesquisa com 233 vítimas de abuso sexual mostra que quase a metade delas também sofreu com a traição institucional. Elas sentem-se desamparadas ou desprotegidas pelo local onde o crime foi cometido


 

Bruna Sensêve - Correio Braziliense

Publicação: 13/04/2013 04:00

 

 

Os efeitos pós-traumáticos de um abuso sexual podem ser agravados quando, além da violência, as vítimas sofrem com a chamada traição institucional. O termo, criado por Carly Parnitzke e Jennifer Freyd, do Departamento de Psicologia da Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, descreve a sensação de rompimento do pacto de confiança firmado entre a pessoa agredida e a instituição onde o abuso ocorreu. A última teria falhado na prevenção da agressão e em não responder com assistência e amparo, quebrando os laços de confiabilidade. 

Pesquisa conduzida pela dupla de psicólogas analisou o histórico de 345 universitárias americanas. Quase metade delas afirmou ter passado por pelo menos uma experiência sexual indesejada forçada durante a vida. Outras 21% relataram não ter sofrido uma coerção evidente, mas que a insistência ou a excitação dos parceiros envolvidos as levou a se sentirem incapazes de impedir a relação. Ambos os grupos somam 233 vítimas. Em média, as mulheres relataram três experiências sexuais não desejadas. Diferentemente das experiências, a traição institucional foi identificada como um fator que pode causar um prejuízo ainda maior às sobreviventes do abuso.

Originalmente, o estudo incluiu 514 estudantes do sexo masculino e feminino que não sabiam do tema do projeto — o sigilo foi mantido para evitar uma autosseleção dos participantes. Depois, foram consideradas somente as avaliações das 345 voluntárias, com idade média de 19 anos. Parnitzke e Freyd utilizaram a Escala de Experiências Sexuais (SES, em inglês), variando entre 0 e 12 pontos, sendo o escore mais alto destinado às experiências sexuais mais indesejadas. A escala foi dividida ainda em três tipos de experiências coercivas: verbal, física ou em que o álcool ou outras drogas foram usados para facilitar a experiência sexual indesejada. 

Após esses relatos, uma segunda parte da pesquisa avaliou a ocorrência e o grau da traição institucional por meio de um questionário criado por Parnitzke e Freyd. Cada entrevistada teve que fazer uma associação entre as instituições do qual fazia ou teria feito parte e o papel assumido por elas nas experiências relatadas anteriormente. As pesquisadoras avaliaram também a presença de dificuldades relacionadas ao pós-trauma, como ansiedade, depressão, dissociação, problemas sexuais e distúrbios do sono. Das 233 participantes que relataram qualquer experiência sexual indesejada, 46% também disseram ter vivido pelo menos uma forma de traição institucional.

“Cegueira”
As formas de traição institucional relatadas mais frequentemente envolveram organizações que criaram ambientes em que as experiências sexuais indesejadas pareciam comuns (21%) e em que o abuso parecia mais provável de acontecer (17%). Embora a traição institucional não seja o único preditor dos sintomas, interações significativas entre o abuso sexual e a traição institucional foram observadas por quatro subescalas de diagnóstico. Em todas elas, as mulheres que sofreram traição institucional tiveram os sintomas pós-traumáticos mais graves.

Em entrevista ao Correio, Carly Parnitzke, uma das autoras do estudo, detalhou que esse tipo de traição é mais comumente relatado em uma cultura institucional em que o abuso sexual parece ser esperado. Essa posição seria seguida por uma falha das instituições em tomar medidas proativas para prevenir esse tipo de violência. “Viver ou trabalhar em um ambiente como sobrevivente de um trauma desses parece trazer os efeitos aditivos e exacerbados de lembranças, e a invalidação da experiência negativa. Vemos que esse tipo de traição pode ter implicações profundas para o funcionamento psicológico”, avalia. 

Segundo Parnitzke, uma instituição confiável pode desempenhar vários papéis para os indivíduos após um trauma sexual, tornando-se fonte de cura e de apoio se os relatórios de investigação são levados a sério e as vítimas de traumas sexuais, protegidas e cuidadas. “As instituições podem parecer infalíveis e, muitas vezes, o que os sobreviventes querem é uma admissão de irregularidades e de evidências de que mais pessoas não sofreram como eles.”

Parnitzke conta que essa dificuldade é muitas vezes descrita como “cegueira para traição”, na qual a vítima e outros integrantes de instituições têm um envolvimento tão grande com o local em que houve a agressão que chegam a ofuscar o fato ou até mesmo cogitar a possibilidade de ela não ter acontecido. Em grau extremos, essa cegueira pode levar a vítima a apagar da memória os abusos sofridos e a adotar um comportamento de ignorar indícios de infidelidade. “Embora seja uma situação difícil de se adaptar e permanecer inconsciente, já que a atitude faz com que cresça a probabilidade de que elas ocorram de novo, a necessidade de manter uma relação necessária é maior”, explicam as pesquisadoras. Esse envolvimento perigoso com as instituições é relatado no recém-lançado livro Blind to betrayal (Cego para a traição, em tradução livre), escrito por Jennifer Freyd, uma das autoras da pesquisa, e Pamela Birrell (Veja o Quatro perguntas para).



Palavra de especialista

Papel definitivo na
solução dos traumas 


“As evidências clínicas apontam para esses resultados encontrados pelas autoras do estudo. O resultado de um trauma não é necessariamente o mesmo para todas as pessoas. Experiências traumáticas deixam um dano que pode ser solucionado em algum tempo, e a pessoa vai elaborar isso sozinha. Pode virar um estresse pós-traumático ou evoluir para outras formas. Isso depende das características do trauma, das características percebidas pela pessoa e das características individuais da vítima. Então, será que ela vai superar? Pode ser que sim. Mas o que o estudo mostra é que o papel da instituição pode ser definitivo ou decisivo na forma de essa pessoa elaborar essa experiência. Isso ainda depende de outros estudos e só dados de pesquisa podem mostrar o que realmente acontece.”

Suely Sales Guimarães, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília




Quatro perguntas para

Pamela Birrell, 
coautora do livro Blind to betrayal 
(Cego para a traição, em tradução livre)


Lidar com a traição é o caminho certo a seguir, mesmo que pareça mais difícil? Como é possível fazer isso? 
Confrontar a traição é ser corajoso o suficiente para afirmar a própria verdade. Isso pode ser doloroso no início, porque arriscamos relacionamentos que parecem importantes, mas são, na realidade, baseados em mentiras. Relacionamentos podem acabar, deixando-nos mais tristes, mas também mais fortes e sábios. Ou, às vezes, os relacionamentos podem crescer mais fortes pelo próprio confronto com a traição. A principal mudança no comportamento é sermos verdadeiramente honestos com nós mesmos e com a outra pessoa (ou a instituição).

Essa mudança deve vir do indivíduo, 
da instituição ou de ambos?

O indivíduo deve ser forte e honesto. A instituição deve estar disposta a ouvir e fazer alterações. Ambos devem mudar em direção ao respeito mútuo.

Como a traição pode afetar a percepção 
da realidade?

Ela depende da relação com o(s) autor(es). Se é uma relação necessária, como as crianças e os pais, ou as mulheres totalmente dependentes do marido, ou os funcionários desesperados para manter o emprego, a percepção da realidade pode ser totalmente distorcida. Haverá uma cegueira completa da traição. A vítima terá toda a confusão e dor para si, e poderá começar a pensar que está louca, e não a situação.

Se a violência for de longa duração, poder 
resultar em problemas de saúde física 
e mental. Qual é o impacto disso na sociedade? 

Há sempre tempo de ver e enfrentar a traição das instituições. É difícil porque elas muitas vezes escondem a traição em atos supostamente benevolentes, mas falar a verdade ao poder mantém as instituições responsáveis e cria uma sociedade mais justa.

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era po�Dvl�C �A s antigos contar seus descendentes a partir da linhagem materna, única forma de ter certeza a respeito da filiação, fazendo com que o direito materno assegurasse às mulheres elevado grau social, chegando ao domínio feminino absoluto: a ginecocracia.

 

Ao fugir da padronização histórica, Engels faz uma nova classificação da pré-história expurgando a ideia de seres humanos débeis e inábeis que perduram no imaginário leigo das pessoas. Dividiu os períodos por meio das formas de produção, instituindo o Estado Selvagem: criação da linguagem, alimentação a base de peixes, artefatos do período paleolítico, invenção do arco e da flecha; o que vincula-se a experiências adquiridas no mundo hostil e faculdades mentais bastante desenvolvidas; a Barbárie: período dos artefatos em cerâmica, domesticação de animais, cultivos de plantas através de irrigações e arados puxados por animais, uso do tijolo e pedras na construção de verdadeiras fortalezas, fundição de ferro e invenção da escrita; e, por fim, a Civilização: onde surgem novas formas de trabalhar os produtos naturais, a indústria e a arte.

É no Estado Selvagem que surge e nasce a família, evidentemente, não como a conhecemos hoje. Segundo Morgan: “A família é um princípio ativo. Nunca permanece estacionária, mas passa de uma forma inferior a uma forma superior, à medida que a sociedade evolui (…)”. (pág. 45)

No período selvagem ocorriam os casamentos por grupos, que nada mais eram do que a prática de poligamia e poliandria (união em que uma só mulher é ligada a dois ou mais maridos ao mesmo tempo) ao mesmo tempo, fazendo com que os filhos de uns e outros fossem comuns ao grupo. Dessa maneira a mulher pertencia igualmente a todos os homens e cada homem igualmente a todas as mulheres. Existiam casas grandes em que todos moravam juntos, as mulheres e os maridos junto com os filhos de ambos;. Neste convívio de grupos exclui-se a prática da mulher como escrava do homem. Tem-se a imagem de uma mulher livre e muito estimada, visto que não eram “poupadas” ao trabalho e relegadas às “tarefas simples” como costumamos ouvir hoje em dia. Na atualidade, a mulher civilizada que é excluída de todo trabalho efetivo possui situação social inferior àquela mulher selvagem que trabalhava recebendo o respeito devido ao seu esforço refletido na organização das classes.

Bachofen deixa muito claro em suas conclusões que os povos selvagens não viviam em um estado de pura promiscuidade sexual sem norma alguma. A literatura clássica antiga nos traz vestígios de uma prática muito anterior a monogamia em que os gregos e asiáticos conviviam em liberdade sexual sem necessariamente violar a moral estabelecida.

Essas provas são encontradas com os gregos, onde o direito materno confere uma passagem para a monogamia e o direito paterno. Como exemplo, há a Epopéia de Oréstia, a qual tentarei aqui descrever de forma resumida para não causar confusão, mas o reflexo religioso do desenvolvimento das condições humanas é incontestável.

Nesta passagem, diz-se que Climnestra era esposa de Agamenon e esta termina matando seu marido em razão de amar outro homem que seria seu amante. Entretanto, o filho do casal — Orestes — para vingar o pai termina por matar Climnestra, cometendo o mais grave dos pecados até então: o matricídio. Assim, as Erínias (seres protetoras do direito materno), perseguem Orestes pelo grave crime que cometeu, e então, numa passagem dos tempos antigos aos tempos atuais, dois novos Deuses surgem pra intermediar o conflito: Apolo e Atena.

Apolo intervém levando o caso a Atena que se posiciona como juíza e ao ouvir Orestes este alega em sua defesa que sua mãe cometeu dois crimes, visto que matara seu marido e pai de seu filho, por isso era injusto que as Erínias o perseguissem. A resposta por sua vez à defesa de Climnestra seria de que ela não possuía vínculos de sangue com o homem que matou, por isso não era crime que merecesse o castigo das Erínias. Atena, para resolver o conflito, submete o caso ao tribunal ateniense gerando um empate de votos pela absolvição e condenação de Orestes, sendo o último voto o dela mesma, que favorece o réu fazendo, o direito paterno prevalecer sobre o direito materno. Dessa forma, as Erínias ao obedecerem os Deuses da nova geração (Atena e Apolo) admitem ter que assumir uma nova postura visto à ordem das coisas. É uma clara visão da transformação das relações matriarcais que agora começavam a criar vínculos nas relações sociais, inclusive na relação dos direitos.

E, como e para que uma ordem social das coisas pode mudar de uma geração para outra, transformando um sistema matriarcal em patriarcal? A resposta é simples: com a definição do privado.

Antes de tratar da fase monogâmica propriamente dita, Engels destaca a fase da família pré-monogâmica, que antecede o casamento apenas de pares, que ocorreu concomitantemente ao casamento por grupos. O casamento pré-monogâmico assemelha-se a monogamia pelo fato do matrimônio ser apenas entre um homem e uma mulher, contudo ao homem fora do casamento a poligamia persiste, enquanto a poliandria é extinta, sendo cobrado das mulheres a mais rigorosa fidelidade enquanto durar o casamento. O vínculo matrimonial contudo pode ser dissolvido por ambos, enquanto os filhos são exclusivamente das mães.

A fase monogâmica, propriamente dita, nasce decorrente da domesticação de animais, gerando riqueza, o que até então não era reconhecida aos selvagens aflorando junto à barbárie. O homem agora não precisava mais caçar pois a ele pertencia as manadas de cavalos, camelos, bois, carneiros, porcos, cabras, etc. que se desenvolviam através da vigilância e cuidados, fornecendo alimentação. Com tal experiência da criação de animais e cultivo agrícola o trabalho fora dividido entre a família, cabendo ao homem providenciar alimentos, assim como garantir a propriedade não só dos animais e plantas, mas também dos seus meios de produção.

O homem agora tornava-se proprietário da fonte de alimento e trabalho, este último que mais tarde se configuraria também no escravo.

Neste novo padrão de trabalho não havia mais cabimento para a linhagem ser contada através da mulher. A ela agora era necessário a fidelidade. O homem agora possui a terra e tudo que nela há, precisando de descendentes confiáveis e não da mulher. O direito materno foi supresso, segundo as palavras de Engels: foi a derrota do sexo feminino na história universal.

“A mulher foi degradada, convertida em servidora, em escrava do prazer do homem e em mero instrumento de reprodução. Esse rebaixamento da condição da mulher, tal como aparece abertamente sobretudo entre os gregos dos tempos heroicos e mais ainda dos tempos clássicos, tem sido gradualmente retocado, dissimulado e, em alguns lugares, até revestido de formas mais suaves, mas de modo algum eliminado”. (pág. 75)

Com a necessidade de assegurar paternidade e, consequentemente, a fidelidade da mulher, esta é entregue ao poder do homem, podendo este fazer o que bem entender, inclusive lhe conferir a morte.

Estranho como isso tudo soa atual aos nossos dias, não é verdade? E mais estranho ainda é isto não estar descrito nos livros de história. Lembro da minha fase no ensino médio (hoje, oitavo ano) em que a professora abria o livro e nos ensinava sobre a pré-história de homens vivendo em cavernas e comendo carne queimada,para logo em seguida estudarmos um dos maiores legados na história da humanidade: A Grécia! E toda sua democracia, militarismo, agricultura… mas pera aí… como foi que surgiu tudo isso?

Aprendi muito com F. Engels, gostaria de escrever muito mais e a respeito de todas as civilizações fantásticas que ele descreve em seu livro (me prendi aqui apenas nos fatos narrados mais importantes), mas de certa forma seria estragar a surpresa para quem quiser o ler. Porém, é importante conhecermos o passado, pois como diria Elis Regina: “O que foi feito é preciso conhecer, para melhor prosseguir”.

Referência: ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Editora Escala, 3° edição.

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Karollyna Alves é de Recife, gosta de história e seu primeiro texto publicado nesse blog foi sobre a Marcha das Vadias de Recife em 2011: Qual o seu depoimento?

 

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