Bebo sim e continuo dona do meu corpo

24/05/2014 12:24

Pôxa, a Camilla Magalhães vai ao cerne da questão da culpabilização das mulheres pelos abusos sexuais e estupros que sofrem abordando os “porres” para exemplificar as agressões sofridas pelas mulheres ‘bebinhas’. Há um despropósito nesta teoria de as mulheres terem que “andar na linha” para não serem agredidas. PelamordeDeus! Porque os homens fazem aquilo que se espera que façam? Porque esperam que os homens sejam homens, que sejam machos? Que se aproveitem de momentos que as mulheres “saem da linha” para mostrar que são corajosos?  Esses homens com certeza são estupradores, claro!

Vale como exemplo da mesma forma, a liberdade que cada uma deve ter em se vestir, em colocar sua minissaia, seu shorts, seu decote ousado... isso não pode dar o direito de ninguém atacar ninguém.

 

Tereza

 

 Bebo sim e continuo dona do meu corpo

Posted on 21/05/2014 

Texto de Camilla de Magalhães Gomes.

Eu bebo sim. E bebendo ou não, meu corpo é meu.

Foto de Mista Boos no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

Eu, minhas amigas, sua mãe, suas amigas, a colega de faculdade, a chefe e qualquer uma que beba, exagere ela ou não. Somos todas donas de nossos corpos. E essa autonomia inclui o direito de usar as substâncias que desejar e, ainda que sob efeito dessas substâncias, de reivindicar que meu corpo continuará sendo meu.

MAS

Bebendo ou não, usando drogas ou não, estando na balada ou não, continuo podendo ser vítima de um estupro. Meu comportamento pode até ser inconveniente, ou incorreto de alguma forma nessa cena, mas NUNCA como fator de causa do estupro, mas SIM como mais um meio utilizado pelo estuprador para alcançar a demonstração de poder pretendida. Por isso mesmo, o Código Penal reconhece que há esses casos em que o estupro é mais grave, por haver o aproveitamento de uma situação de vulnerabilidade da vítima — o “estupro de vulnerável”, que é crime, independente de consentimento ou não.

A manchete do jornal diz: “Risco de estupro triplica com embriaguez, diz levantamento”. Em seguida os dados: Mulheres que abusam do álcool têm 3,6 vezes mais chances de serem vítimas de estupro, revela um novo recorte do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas. Quando as mulheres já têm um diagnóstico de dependência de álcool, as chances de sofrerem violência sexual sobem para cinco vezes.

“Risco de estupro”, portanto, é uma expressão perigosa, equivocada e culpabilizadora. Dizer que uma mulher bêbada corre mais “risco de ser estuprada”, como corre mais risco de ser atropelada aquela que atravessa fora da faixa (sim, a comparação com o “sair da linha” foi proposital) é colocar o foco — e a culpa, ela aqui de novo, sempre! — na mulher estuprada e não no estuprador. É ignorar que não há aí uma “situação de risco” criada pelas mulheres que se embriagam, mas sim um fator a mais na gravidade da conduta do autor do crime, que se utiliza justamente dessa condição vulnerável — momentânea ou não.

Então, há uma nova pesquisa, ainda não publicada, que diz que o “Risco de estupro triplica com embriaguez”. Ou melhor, se a pesquisa diz assim, com essas letras, não sei. Mas a mídia decidiu publicizar desse jeito. Pesquisas polêmicas sobre mulheres parecem que rendem assunto, não é mesmo? Sem crítica, sem aprofundamento, sem debate, sem acesso ao link para pesquisa — que nem foi lançada ainda — que aí o barulho é rápido, a desinformação é garantida e o desserviço também.

“Sob efeito do álcool, 89% das mulheres não evitam situações de risco”. E são as mulheres que precisam “evitar situações de risco”? Uma frase dessas, com aparente pretensão de servir como “alerta” ou “proteção” às mulheres só reforça a culpabilização, agora somada com o discurso moralista sobre “o aumento do consumo do álcool”.

Aliás, pergunto para que serve a parte final da matéria senão para condenar as mulheres que saem da linha? “Segundo Ronaldo Laranjeira, professor titular de psiquiatria da Unifesp e coordenador do levantamento, o aumento do consumo de álcool por mulheres reflete a maior frequência do ato de beber socialmente, e não em casa. ‘Mulheres que socializam como homens estão bebendo tanto quanto eles’.”

Voltemos pra casa, socializemo-nos “como mulheres” — sempre nos mantendo na linha — e estaremos seguras. Claro, estupros só acontecem porque as mulheres se colocam vulneráveis, estupradores apenas fazem o que se espera deles.

 

Camilla de Magalhães Gomes

Professora, advogada, criminóloga wannabe e feminista. Genótipo + Fenótipo + Teimosia. Sonhando com uma vida mambembe, mais vadia e mais livre. "La frente muy alta, la lengua muy larga y la falda muy corta"

 

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