Entrevista com Tereza Vitale

11/03/2015 12:29

Entrevista com Tereza Vitale, paulista e editora de profissão. É militante distrital e nacional do Partido Popular Socialista, integrante e uma das fundadoras da Coordenação Nacional das Mulheres do PPS.

 

Tereza Vitale, você é militante antiga do PPS e também integra a Coordenação Nacional de Mulheres. O que te move a militar num partido político?

TEREZA: Desenvolver atividades num partido político e compreender a importância desta determinação significa lutar ativamente em favor de uma ideia, melhor dizendo, de um ideal. Nosso envolvimento nesta luta pode se dar em torno da macropolítica, de interesse para o conjunto da sociedade, ou em torno de políticas específicas (mulheres, crianças, juventude, educação, terra, LGBT) ou, ainda, em torno de temas vários que compõem um todo.

 

As pessoas se afastam da militância orgânica por não acreditarem na política. Como você vê essa questão?

TEREZA: Tenho para mim que a política, embora esteja tão mal avaliada por alguns e tão rejeitada pelas pessoas mal instruídas e mal informadas, ainda nos traz esperanças de melhores dias e melhores oportunidades para a sociedade.

Dizem que fazer política é uma nobre missão. É assim que eu penso e é isso que me move para estar no PPS e para acreditar em suas bandeiras.

 

Como é para você que vive em Brasília, tão perto do Congresso, conviver com o poder?

TEREZA: Quando nos referimos à política ela imediatamente nos remete a “políticos” e nossa reação é dizer que não gostamos de política e que os políticos são todos ladrões etc... E esses políticos são homens e mulheres, exatamente aqueles que elegemos e que nos representam nos parlamentos e nos executivos.

Se pensarmos bem, a presidente da República, o governador, o prefeito, o senador, o deputado, o vereador, constataremos que somos nós os únicos responsáveis por elegê-los. Desta constatação surge uma dúvida que cada um de nós, homem ou mulher, não pode deixar de estar sempre atento: é a política que não presta ou somos nós que não estamos sendo tão exigentes quanto é necessário nas escolhas que temos feito e que precisam ser melhor avaliadas?

 

No Congresso temos muitos homens, mas temos mulheres também. Vocês lutam para aumentar a representatividade feminina nos parlamentos, as mulheres são refratárias a fazer política partidária. Como é isso? Por que?

TEREZA: Permita-me tomar um pouco de seu tempo para falar a respeito da mulher se envolver com a política. O que tem a ver as mulheres participarem ou não dos partidos?

Neste sentido, eu gostaria de considerar dois pontos. O primeiro deles é que a política faz parte da nossa vida e ficarmos atentas a ela significa participarmos das decisões que podem melhorar a nossa vida e a de todos os cidadãos. Melhorar nosso dia a dia, o das nossas famílias, o de nossas filhas e filhos, o de nossas amigas e nossos amigos. Se não estivermos envolvidos e dedicados à política, as coisas vão continuar acontecendo, mas da forma como eles, “os políticos”, querem que elas aconteçam e não da forma que seja melhor para nós. Nós = o povo! Nós = a comunidade!

Outro ponto a considerar é que nós, mulheres, somos mais de 50% da população brasileira, acontece que quem decide a nossa vida são homens. São eles que constituem a expressiva maioria dos executivos e legislativos do país. Como pode ser isso? Incrível, não? Pois é essa a realidade. São as leis brasileiras que determinam nossas vidas. Determinam a educação, a saúde, a segurança pública, o trabalho, o combate à violência e com isso, dependendo dos projetos, podem ou não contemplar as mulheres e criar ou não melhores oportunidades para que sejamos consideradas cidadãs de 1ª classe. Ou alguém acredita que homens e mulheres têm oportunidades iguais de trabalho, de educação, de lazer...?

 

Como assim?

TEREZA: Vou dar um exemplo: As mulheres estão indo mais à escola do que os homens, mas continuam ganhando muito menos do que eles, mesmo ocupando funções idênticas. Mesmo sabendo que os rendimentos das mulheres ajudam a reduzir a pobreza extrema não se tenta mudar essa situação absurda. Nem por isso os olhos dos legisladores se voltam à igualdade entre a trabalhadora e o trabalhador. Além de ser mal remunerado, o trabalho doméstico segue sendo uma tarefa somente das mulheres, sem qualquer tipo de política que mude esta prática. Dizer que é uma prática cultural, não justifica e em nada colabora, apenas reforça a questão de exploração e opressão das mulheres. Alguém conhece uma política educacional e leis trabalhistas que possam alterar essa situação?

 

Você falou em saúde, também.

TEREZA: Pois é! O câncer de mama ainda mata muitas mulheres, mesmo que saibamos que quando descoberto, no início, as chances de cura são enormes. Mas faltam mamógrafos, e não se adotam medidas para  prevenir e combater o câncer de mama, e demais doenças femininas. Ainda temos altos índices de mortalidade materna nos rincões do nosso Brasil e mesmo nas capitais. Lidamos aqui com uma verdade muito triste e inominável: mulheres sempre abortaram e sempre abortarão, não importa sua família, sua classe social, sua religião... não importa nada. O aborto inseguro é hoje a quinta causa de morte materna no Brasil. O Estado brasileiro, à frente a Presidência da República, é criminoso quando não assume sermos o lugar que mais mata mulheres no mundo em decorrência de aborto ilegal. Nada faz para aliviar esse mal chamado gravidez indesejada que não escolhe nem mesmo idade, limita-se a permitir o debate moral e religioso. O Estado, à frente a Presidência da República, sabe e nada faz mediante os índices indecentes de morte das mulheres pobres e negras, as maiores vítimas da criminalização e os maiores números de óbitos por fazerem uso das clínicas ilegais que proliferam pelo país. Isso quando não caem na mão de carniceiros em sua própria casa.

Amigo, não precisamos de repressão ou omissão. Não há espaço para que outros que não cada mulher decida sobre seu próprio corpo, sobre suas dores, suas emoções. Precisamos de uma rede pública que assista as mulheres que querem ou precisam abortar. Precisamos que o Estado entenda que esta delicada questão é caso de saúde pública e como tal tem que estar inserida nas políticas de saúde para as mulheres.

 

No Brasil ainda não conseguimos combater os casos de estupro diários sendo um dos piores problemas que as mulheres enfrentam. Essa informação confere?

TEREZA: A segurança pública no nosso país é um “caso de polícia” e para as mulheres é especialmente calamitosa. Como trafegar por ruas desertas ou escuras para frequentar a escola no período noturno, para ir à igreja, para sair com as amigas, familiares ou namorado? Como entrar numa delegacia para dar parte de um abuso ou violência? Como morar na periferia ou em lugares cuja criminalidade se confunde com aparatos da polícia? Além do mais, temos casos e mais casos de polícia mal preparada e de falta de equipamento público para atender as mulheres como postos de polícia feminina, casas de apoio, varas da família, plantões de polícia comunitária, Judiciário eficiente para atender a pequenas causas.

A viol         ência contra a mulher está longe de acabar e afeta toda nossa vida. Pesquisas mostram que a maioria das jovens e dos jovens ainda reforça comportamentos de repressão às mulheres na sociedade. Muitas vezes esses comportamentos nem são reconhecidos como violência. E assim ela se perpetua dentro de casa e no espaço público. A violência não é somente física e sexual, é também emocional, psicológica, moral. Atinge as mulheres e as crianças preferencialmente.

 

Por que isso?

TEREZA: “Isso porque se trata de uma relação de poder e opressão. O homem é mais forte, ele pode.” Esse é o tal do machismo. O machismo que mata. Depois do assassinato de mulheres, a mais grave violência é o estupro que vitima milhares de mulheres cotidianamente no nosso país. Dados estatísticos revelam que o número total de estupros registrados no Brasil subiu 19,3% em 2012, em relação ao ano anterior, atingindo 50,6 mil casos – ou seja, quase seis denúncias a cada hora. Especialistas dizem que esses números podem ser ainda maiores já que nem toda mulher tem coragem de denunciar situações de violência, principalmente a sexual. Por isso, destaca-se a importância de fortalecer os outros serviços, sobretudo os de segurança, e promover campanhas para combater as causas da violência sexual contra as mulheres: a impunidade e o machismo. Não pode haver tolerância a esses tipos de crimes. A proposta é fortalecer os serviços de segurança pública e mostrar para a sociedade que o Estado está do lado da vítima, para que ela realize a denúncia e receba o acompanhamento médico e psicológico necessário, e também que seu agressor seja punido e impedido de continuar o ciclo de violência ou fazer novas vítimas.

 

A Lei Maria da Penha não veio para combater a violência?

TEREZA: A Lei Maria da Penha, conquista formidável das ativistas pelos direitos das mulheres, é ótima e exemplar! Mas sem total regulamentação torna-se ineficaz. A falta de legado de uma presidente mulher nos últimos anos, aponta para esta falta de regulamentação da Lei Maria da Penha como seu exemplo maior de descaso. Compara-se ao não cumprimento de metas em relação à construção de creches prometidas em campanha e aos cortes generalizados no Orçamento Mulher.

 

Vocês falam seguidamente em creches...  

TEREZA: Sim, sim... creche, sempre a creche... (rs) Creches atendem às crianças de 0 a 5 anos. As mães não podem deixar as crianças em casa sozinhas nem com qualquer pessoa. Muitas nem mesmo têm parentes disponíveis a serem babás. O Estado deve e pode oferecer esse equipamento às famílias e, com isso, as mães podem dedicar algum tempo à sua formação, à sua vida profissional, aos cuidados consigo mesma. A cultura e o lazer, além da educação, também devem ser oferecidos às mulheres. Tempo disponível é essencial para isso, assim como centros de convivência com cinema, teatro, biblioteca, espaços para atividade física, salões para festas, escola infantil, de 1º e 2º graus, cursos profissionalizantes... Tudo precisa estar próximo dos seus lares e locais de trabalho. O desenho das cidades pode e deve ser repensado. Os parlamentos municipais devem aproximar-se dessas políticas urbanas e habitacionais.

 

Voltando à sub-representação das mulheres nos parlamentos...

TEREZA: Pesquisa Ibope, divulgada em julho de 2014, mostra que 80% dos brasileiros consideram que deveria ser obrigatória a composição dos legislativos municipais, estaduais e nacional por metade de mulheres. Entretanto, essa amostragem não corresponde à realidade porque vemos que as mulheres não são bem votadas, já que os parlamentos não têm mais do que 10% de representantes. E por que será? Serão as mulheres incapazes ou menos preparadas?

Não! Claro que não! A cada dia vemos que elas são cada vez mais capacitadas e preparadas para legislar, mas nossa sociedade é patriarcal. As mulheres ainda são vistas como inferiores e, às vezes, elas mesmas acreditam nisso. Acham que o seu papel é cuidar da casa e dos filhos, em 1º lugar. Acham que os homens são mais capazes para ocupar o espaço público. O pior é que passam esta visão equivocada e submissa às filhas e aos filhos.

 

É a cultura passando dos pais aos filhos...

TEREZA: Pois bem, de qualquer forma, digo que nossas lutas passam por nos dar maiores referências e representatividade nos parlamentos municipais, estaduais e federal, porque quem ocupa a maioria das cadeiras é o parlamentar homem eleito. A mim não me representam integralmente. A mim me faltam a voz e o voto das mulheres. Queremos a paridade. 50% de homens e 50% de mulheres trabalhando pela sociedade formada por homens e mulheres que tenham suas opções de vida respeitadas. Sua orientação sexual respeitada. Que nos mostrem parlamentos multifacetados. Ainda não podemos votar em candidatas fora de partidos políticos, por isso, se é o que se nos apresenta, vamos tentar trabalhar da melhor forma possível.

 

Por que a Coordenação de Mulheres?

TEREZA: O PPS ter uma instância que trata especificamente das questões das mulheres não é um luxo, mas uma necessidade não somente do Partido Popular Socialista, mas de todas as agremiações partidárias. Temos um número razoável de associadas, mas insignificante quando falamos de mulheres que participam das decisões políticas. Já estamos em pleno século XXI e não temos políticas que sejam atraentes para trazer as mulheres para militar num partido político. O legado que Zuleika Alambert (1922-2014) nos deixou como uma mulher de partido e como uma militante feminista deve ser respeitado e por nós perseguido. Nossos documentos apontam para isso. Cuidamos do empoderamento das mulheres para dentro e para fora do PPS.

 

Não é uma luta inglória?

TEREZA: Quem faz política também se alimenta de sonhos. Vamos em busca de melhores dias e melhores condições de vida de uma coletividade. Vamos nos juntar à juventude, à negritude, às índias, aos gays, às lésbicas, aos católicos, aos evangélicos, a todos os homens e mulheres que sonham e acham possível transformar nosso mundo num lugar mais generoso e respeitador das pessoas, dos animais, do meio ambiente, das diferenças!

 

Algum recado pelo Dia Internacional das Mulheres?

         TEREZA: Eu acho que meu recado passa por essa sua última pergunta. Nossa luta pela melhoria da condição de vida das mulheres vale a pena. Sempre valerá! Vamos lutar pelas conquistas e para mantê-las. Vamos conseguir! Nossas filhas, nossas netas... merecem nosso esforço e a humanidade igualmente merece estar consciente de o machismo mata, mata sonhos e mata pessoas.

 

Muito obrigada.

 

 

 

 

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