Substantivos femininos: mulher, moradia e luta

18/11/2013 11:27
Muito interessante este texto da blogueira Carolina Ferraz. Temos sempre que nos lembrar que as chefas de família são cerca de 30% das famílias brasileiras. Neste sentido, colei abaixo um texto sobre os dados do IBGE de onde destaco: "No Censo realizado em 2000, a porcentagem subiu para 26,55%. Já a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), que teve como ano base 2011, levantamento mais recente do IBGE, divulgada em setembro deste ano, aponta que 37,4% das famílias têm como pessoa de referência uma mulher.
 
No texto da Carolina, ela diz que "pouco faz o Estado" - eu queria saber o que é esse pouco. Para mim o Estado não faz nada neste sentido e poderia fazer, mas cadê a vontade política da "presidenta"? Está voltada somente para projetos eleitoreiros sem mostrar resultado algum:
 

"Perante essa realidade, pouco faz o Estado. Novamente, sua relação dependente da iniciativa privada o move para a administração de programas habitacionais que não contemplam a mais grossa e verdadeira demanda de moradia urbana. Em contrapartida, atendem com precisão o interesse dos especuladores imobiliários.
Muitas mulheres, por serem trabalhadoras informais, não conseguem acesso aos cadastros porque não correspondem ao perfil de adimplência dos financiamentos. Além disso, os programas da vez, como o Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, não atende sistemicamente a população mais pobre, voltando-se preponderantemente às classes médias."

Tereza

 

Substantivos femininos: mulher, moradia e luta

Substantivos Femininos: Mulher e Moradia

Importante lembrar aqui que a moradia é basilar em qualquer processo de democratização do espaço urbano. A moradia, a casa, é o lugar em que se dá a reprodução da família, mas, mais do que isso, é o espaço privado de segurança dos indivíduos. É a garantia mínima de território afirmativo dos grupos humanos.

A respeito do território, a diferença entre homens e mulheres no que diz respeito à titularidade de imóveis registrados é brutal. A propriedade privada, sedimentada na realidade das classes médias e altas, não acontece formalmente para os trabalhadores. As relações informais de compra e venda de terrenos, os aluguéis e as ocupações são as formas mais frequentes com que se assentam as pessoas na cidade.

São Paulo - Grafite registra o fim da ocupação de famílias ligadas ao MSTC, que durou cinco anos. Foto de Daniel Santini/G1.

São Paulo – Grafite registra o fim da ocupação de famílias ligadas ao MSTC, que durou cinco anos. Foto de Daniel Santini/G1.

As mulheres pobres são frequentemente as maiores atingidas pela leva diária de despejos ocorridos na cidade de São Paulo. Seja porque são as chefas da família em que não existe uma figura masculina, seja porque são trabalhadoras na própria casa, são elas que assumem a responsabilidade de proteger os filhos da perda de um teto e de pertences essenciais, adquirindo uma necessária postura criativa perante os desafios financeiros, seja distribuindo a prole na casa de conhecidos e outras parentes, resignando-se a dormir e viver na rua, seja aumentando ainda mais as suas jornadas de trabalho para poder prover com rapidez um outro espaço onde morar.

Perante essa realidade, pouco faz o Estado. Novamente, sua relação dependente da iniciativa privada o move para a administração de programas habitacionais que não contemplam a mais grossa e verdadeira demanda de moradia urbana. Em contrapartida, atendem com precisão o interesse dos especuladores imobiliários.

Muitas mulheres, por serem trabalhadoras informais, não conseguem acesso aos cadastros porque não correspondem ao perfil de adimplência dos financiamentos. Além disso, os programas da vez, como o Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, não atende sistemicamente a população mais pobre, voltando-se preponderantemente às classes médias.

Muito se comemorou a mudança da Lei 11.977, que regulamenta o programa Minha Casa, Minha Vida, no que diz respeito à transferência da titularidade do financiamento para o nome da mulher responsável pela família. Outra questão é a medida provisória que garante a casa financiada à mulher em caso de divórcio ou dissolução da união estável. Sabe-se que quase 90% dos contratos de financiamento constam como titulares as mulheres.

Esse dado demonstra efetivamente a massiva e crescente chefia feminina dos lares, mas não aponta como avanço em direção a um projeto democrático de cidade. O aporte do Poder Público para a construção das casas é imenso e a lucratividade é distribuída às empreiteiras envolvidas. A política de habitação torna-se, assim, um segmento de mercantilização.

Esse mercado de moradia popular vem se tornando foco das parcerias entre governos e corporações, pois conciliam interesses compartilhados mutuamente: de um lado, substituem-se as políticas públicas e a organização da demanda formulada pelo próprio povo e, por outro, atende-se a taxa de lucros e dividendos políticos para a manutenção de uma relação estável com as empresas privadas e com o eleitorado:

“O perfil de atendimento previsto pelo pacote revela, porém, o enorme poder do setor imobiliário em dirigir os recursos para a faixa que mais lhe interessa. O déficit habitacional urbano de famílias entre três e 10 salários mínimos corresponde a apenas 15,2% do total, mas receberá 60% das unidades e 53% do subsídio público. Essa faixa poderá ser atendida em 70% do seu déficit, satisfazendo o mercado imobiliário, que a considera mais lucrativa. Enquanto isso, 82,5% do déficit habitacional urbano concentra-se abaixo dos três salários mínimos, mas receberá apenas 35% das unidades do pacote, o que corresponde a 8% do total do déficit para esta faixa. No caso do déficit rural, a porcentagem é pífia, 3% do total. Tais dados evidenciam que o atendimento aos que mais necessitam se restringirá, sobretudo, ao marketing e à mobilização do imaginário popular” .(1)

Sabe-se que a destinação da titularidade às mulheres em muito se refere ao fato de representar um perfil social de maior fidelidade ao contrato e de responsabilidade com a manutenção do entorno. Nesse sentido, fica claro que as mulheres são, novamente, objeto de interesse do conluio do Estado e do capital, mas não sujeitos que definem suas prioridades políticas. Atravessam o espaço público, mas não o definem por vontade da ordem.

Substantivos Femininos: Mulher e Luta

A saída das mulheres negras e trabalhadoras para os desafios e sinucas de bico da vida urbana compreende muitas vezes o seu protagonismo nas lutas sociais típicas da cidade. As ocupações de terra, por exemplo, são experiências da classe trabalhadora em que as mulheres sistematicamente assumem a linha de frente: são elas que respondem pela construção dos barracos, pelo levantamento e manutenção da estrutura básica de sobrevivência da ocupação e, ainda, pelo enfrentamento direto com a polícia.

Dentro dos movimentos populares organizados, é nítida a reprodução do machismo nas relações políticas. Frequentemente se observa que as mulheres assumem tarefas fundamentais de organização, cadastro, alimentação, comunicação, entre outras, mas os momentos públicos, como as assembleias e reuniões, são tomados pelas falas e direções masculinas.

Mesmo assim, é inegável que nos setores populares organizados o papel da mulher é redimensionado. É diferenciado em relação ao seu papel ordinário na sociedade, até porque o povo se movimenta a partir das contradições da sua realidade mais primordial, a partir do cotidiano e do enfrentamento da sobrevivência. Essa sobrevivência sempre é garantida pelo papel desempenhado pelas mulheres. Quando se eleva questões materiais de resistência da vida humana à esfera política, eleva-se também os sujeitos dessa luta diária ao espaço político, descola a prática privada à prática pública.

Por esse viés, pode-se afirmar que a luta pela tomada da cidade pelo povo, é uma luta travada, inegavelmente, em razão das próprias contradições sexistas dominantes do capitalismo, pelo levante e pela ação das mulheres trabalhadoras, negras e periféricas.

A dureza do concreto é onde derrama a vida de Tereza.

O duro chão da cidade capitalista,

O duro onde dormem as Terezas e seus filhos,

É também o chão onde elas batem o pé.

Até que esse chão rache.

“Terezas – as sobrevivências duras do concreto” (.pdf)

 

 

Referências

(1) FIX, Mariana. ARANTES, Pedro. Pacote Habitacional de Lula é a privatização da política urbana. Publicado em 29/07/2009 no site Correio da Cidadania.

Notas

Leia também a primeira parte: Substantivos femininos: mulher e cidade.

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Autora

Carolina Freitas é advogada popular, feminista e acredita que as contradições da cidade capitalista precisam ser rompidas a partir de um outro projeto de sociedade humana.

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Proporção de mulheres chefes de família cresce mais do que quatro vezes em 10 anos, diz IBGE

Do UOL, no Rio

 

A proporção de famílias chefiadas por mulheres, segundo critérios do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), cresceu mais do que quatro vezes nos últimos dez anos. Em relação aos casais sem filhos, o índice de autoridade feminina passou de 4,5% para 18,3%; já entre os que possuem filhos, subiu de 3,4% para 18,4%. Os dados fazem parte da amostra "Síntese de Indicadores Sociais", divulgada nesta quarta-feira (28).

PERCENTUAL DE MULHERES CHEFES DE FAMÍLIA

O fato de que é cada vez mais frequente o tipo de família composto por casal sem filhos (ambos têm rendimentos, sendo que a mulher não teve filhos) é tido como resultante do processo de transformações que vêm sendo observadas pelo IBGE nas relações familiares. Entre os fatores que proporcionam tais mudanças, destacam-se "o ingresso maior de mulheres no mercado de trabalho, a postergação da idade ao casar e o contínuo aumento da escolaridade", de acordo com o estudo.

Em 1996, 20,81% dos lares tinham como chefe uma mulher, segundo pesquisa do IBGE na época. No Censo realizado em 2000, a porcentagem subiu para 26,55%. Já a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), que teve como ano base 2011, levantamento mais recente do IBGE, divulgada em setembro deste ano, aponta que 37,4% das famílias têm como pessoa de referência uma mulher.

Casais sem filho

Uma mudança que vem sendo observada é o aumento na frequência de famílias compostas por casais sem filhos, nos quais a mulher nunca foi mãe, quando ambos possuem rendimentos. Segundo dados da Pnad, de 2001 para 2011, houve um aumento da proporção de casais desse tipo, no conjunto dos casais sem filhos, passando de 18,8% a 21,7% no período.

A análise dos dados sobre a faixa etária da pessoa de referência desses casais mostra que 42% têm de 24 a 34 anos de idade. O rendimento médio, em 2011, ficou em torno de 3,2 salários mínimos. Na Região Sudeste, em um quarto dos casais sem filhos, ambos tinham rendimentos e a mulher não teve filhos.

 

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